quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Os medos (das crianças)

(texto escrito pela pediatra Ariane Brand, da clínica Familiaritas)

Foto encontrada no Pintrest
Todas as crianças e todos os adultos sofrem de medos.

Do ponto de vista evolutivo, o medo é uma estratégia essencial para a sobrevivência da espécie. O medo é provocado por algo ou uma situação que é conscientemente reconhecida como sendo perigosa, independentemente de ser real ou estar no patamar do imaginário.

Quando o medo é constante, compulsivo e interfere com a vida normal da criança, podemos falar de fobias. Neste caso, trata-se de um medo de tal ordem intenso, que interfere com as suas atividades do dia a dia.

Todas as crianças sofrem de medos em diversas alturas ao longo da sua infância. As raparigas verbalizam  mais os medos do que os rapazes, sendo este possivelmente ainda um fenómeno educacional. Existe também uma predisposição genética para o medo.

Os tipos de medos dependem da idade da criança. Alguns medos podem surgir, desaparecer e voltar a reaparecer como, por exemplo, o medo da separação, muito presente nos primeiros dois anos de vida da criança. Curiosamente, aos sete anos de vida as crianças pequenas voltam a temer a separação e surgem outros tipos de medos, como o medo de ruídos altos, quedas, animais e, ao deitar, sentem medo do escuro.

Os medos de monstros e de bruxas costumam estar presentes entre os 3 e os 5 anos, assim como o medo de se perderem ou de perderem um parente amado. Ja as crianças mais velhas temem a rejeição social, guerras, ladrões, situações novas e desconhecidas e, curiosamente, injeções e relações sexuais (por volta dos 14 anos).

O meio familiar é essencial. Pais medrosos e super-protectores, tendem a criar crianças medrosas e ansiosas. Pais com fobias podem, embora menos frequentemente, transmitir as suas fobias aos filhos.

Outro fator essencial é o meio ambiente em que se insere a criança. Embora os medos das crianças tendem a seguir um padrão relativamente uniforme, é frequente existir algum evento que tenha despertado um determinado medo. Por exemplo, o medo inato do ser humano e, neste caso, da criança, de animais grandes, pode facilmente ser despertado ou intensificado após alguma situação em que a criança se tenha sentido ameaçada por um cão grande, por exemplo.

Nas crianças mais velhas o mundo informatizado, a televisão, etc, podem desencadear novos medos, como o divórcio dos pais, agressões físicas, poluição e perigos ambientais, ataques terroristas e abusos sexuais; este último deve ser levado a sério se o medo parecer excessivo, pois pode ser derivado de um trauma, abuso ou situações semelhantes.

O próprio estádio de desenvolvimento psicomotor da criança explica a natureza dos seus medos e a sua resolução à medida que cresce. É por esta razão que a natureza dos medos infantis tendem a ficar mais complexos à medida que a criança cresce.

Para avaliar a gravidade dos medos e distingui-los das fobias, é pertinente levantar as sequintes questões: Quantas vezes por dia surge o medo e/ou interrompe as atividades da criança? Mais do que 3 vezes? Será que a criança ou algum adulto consegue reconstruir o evento que precipitou o medo? Como reagem os pais ao medo da criança?

Recordo que todas as crianças sofrem de medos neste mundo complexo e cheio de estímulos! Os pais devem tentar lidar naturalmente com o medo dos seus filhos, não dramatizar e não reforçar com ameaças do estilo "Se não te portares bem o médico vai dar-te uma pica!" , "Vem aí o homem do saco preto e leva-te..!"…

À medida que a criança cresce pode-se tentar falar e esclarecer o assunto e tentar uma aproximação lenta e progressiva ao objecto de medo. Medos míticos devem ser combatidos, compreendendo o mundo imaginário da criança. No meu consultório, por exemplo, combato o medo do escuro com lanternas de campismo potentes, uma inspecção em pormenor ao quarto, para demonstrar a não existência de bruxas no armário, pistolas de plástico à cabeceira da cama… o que for preciso!

Já os medos com características de fobias, que interferem com a qualidade de vida da criança ou que possam ter algum fundamento verdadeiro, devem ser encaminhadas para um profissional de saúde especializado.


Drª Ariane Brand, Pediatra, Familiaritas, Clinica Médica,Lda
FAMILIARITAS CLINICA MEDICA
Familiaritas.familiaritas@gmail.com

4 comentários:

  1. olá, bom dia , li com muita atenção este artigo. o meu filho vai fazer 4 anos e agora diz que tem medo de insufláveis e berra chora , já por duas vezes que tive que me vir embora de festinhas de anos por causa disso, tem também medo do mar essencialmente do barulho das ondas, medo de palhaços e muito estranho tem medo de balões quando estes estão pendurados e começam a esvoaçar e tb coberturas de pano ou plástico quando começam a também a esvoaçar, queria saber como posso combater esses medos se será melhor procurar ajuda especializada? obrigada
    o meu nome é Patrícia Lamego

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá Patrícia. Apesar de achar estranho tantos medos, a verdade é que não sou especialista nem em pediatria nem em psicologia, e por isso não me sinto à vontade, nem sequer tenho crédito, para opinar. De qualquer modo, pelo que entendo do texto da Dra. Ariane Brand, deveria falar nesses medos com o pediatra do seu filho, para que ele a aconselhe, ou não, a procurar um especialista . De qualquer modo, na área de parceiros aqui do blog tem lá duas boas referências na área da psicologia infantil: uma é a Oficina de Psicologia e a outra referência é a Psicóloga dos Miúdos.Se tiver oportunidade, contacte-os. Beijinhos e vai ver que é só uma fase.

      Eliminar
  2. Bom dia,o meu filho tem seis anos e entrou este ano para a primária e correu bem as duas primeiras semanas enquanto teve professor. Há quase há um mês que está sem professora e de há duas semanas para cá que fica na escola sempre a chorar a dizer que tem muitas saudades minhas e para o ir buscar mais cedo. sei pela directora que depois fica bem. mas de manhã fica ele a chorar lá dentro e eu cá fora...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Bom dia!

      Não sendo eu psicóloga, não me parece que essa situação seja considerada "medo". Parece-me mais a tão falada "ansiedade de separação". Há pouco tempo publiquei um post sobre esse tema, escrito por uma psicóloga clínica da área infantil. Pode lê-lo aqui:

      http://entrebiberonsebatons.blogspot.com/2014/10/sera-que-o-meu-filho-tem-ou-vai-ter.html

      De qualquer modo, e tal como disse à Patrícia, na secção de parceiros tem lá duas boas referências na área da psicologia, caso veja que a situação se agudiza e precisa de ajuda especializada.

      Beijinhos e espero que tudo se resolva rapidamente.

      Eliminar

Arquivo do blogue

Seguidores